A definição de desenvolvimento sempre
foi palco de debates cerrados. No entanto, parece lugar comum, nos dias de
hoje, não mais reconhecê-lo como simples crescimento do PIB ou da renda per
capita. O bem-estar, a felicidade, a educação, a saúde e a condição humana,
são alguns dos novos determinantes nessa discussão. Nos estudos sobre o
desenvolvimento humano, o instrumento de mensuração do desenvolvimento mais
utilizado é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Seu uso é difundido e
legítimo aos olhos da população. Neste texto, não quero discutir
pormenorizadamente as características do IDH, mas gostaria de ressaltar,
particularmente, os problemas da utilização deste índice para medir o
desenvolvimento humano em municípios mineradores.
Podemos dizer que o IDH foi essencial
para a crítica da concepção que iguala o crescimento econômico ao
desenvolvimento humano. O IDH nasce como resposta aos chamados indicadores de
primeira geração como o PIB e a renda per capita. A renda per
capita é o produto da divisão do PIB de uma área pelo número de
habitantes da mesma região. São variados os problemas de utilizar a renda per
capita como indicador do desenvolvimento econômico de um país.
Destacarei apenas aquele que acho mais problemático para a análise de um país
desigual como o Brasil, que é o fato da renda per capita não
considerar a desigualdade social de um país. Essa constatação também será
essencial em nossa crítica ao IDH.
O IDH, criado pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é a síntese de uma série de
indicadores de uma região, a saber: a expectativa de vida, a renda per
capita, os anos de escolaridade esperados para as crianças em idade escolar
e a média de anos de escolaridade da população adulta. Sendo assim, o IDH reúne
três dimensões: renda, saúde e educação. Cada uma delas tem o peso de 1/3 na
definição do IDH. Muitas vezes, o IDH é utilizado na literatura sociológica e
econômica como forma de demonstrar impactos positivos trazidos por uma
atividade econômica a uma região, legitimando-a frente a população. Assim é em
municípios envolvidos com a problemática instalação da atividade mineradora.
Gostaria de deixar claro que a
crítica contida neste texto não se dirige aos especialistas em IDH, mas aos
manipuladores da ideologia do desenvolvimento humano, principalmente ao
Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Um argumento frequentemente
utilizado pelas mineradoras e por seus intelectuais orgânicos é de que a
instalação da atividade aumenta o IDH-M – versão municipal do IDH - dos municípios
mineradores. O presidente do IBRAM, Paulo Camillo Penna, afirma em
entrevista: “Os municípios onde operam uma
mineradora são aqueles que registram Índices de Desenvolvimento Humano (IDH)
superiores aos observados em municípios do mesmo Estado”.
A mesma afirmação foi repetida durante audiência
pública realizada no Senado sobre a proposta do novo Código da Mineração. Na
ocasião, o pesidente do IBRAM argumentava sobre os impactos positivos trazidos
pela mineração. Essa é uma constatação que, feita a devida crítica, não passa
de oportunista. O IBRAM é um intelectual orgânico das mineradoras. Sua
principal função é de legitimar o discurso minerador. Porém, de
fato, o aumento do IDH-M em municípios, que anteriormente não possuíam
atividade mineradora, acontece na maioria das vezes, o que nos coloca a
seguinte questão: o IDH realmente consegue mensurar o desenvolvimento humano?
Também podemos perguntar: com o intuito de medir o desenvolvimento humano em
municípios mineradores e os impactos da atividade mineradora, o IDH é um índice
confiável?
Primeiramente, é necessário fazer uma
separação entre o desenvolvimento humano e o IDH. Obviamente, são diferentes,
sendo que o primeiro é um conceito o qual o segundo tenta medir. Faço essa
separação porque o que vem acontecendo é que o índice vem substituindo o
próprio conceito, tornando-se o desenvolvimento humano em si: “efetua-se, dessa
forma, a substituição do todo — o desenvolvimento humano considerado em suas
múltiplas e complexas dimensões — pela parte — restrita às três dimensões
contempladas pelo IDH”1.
O principal problema da utilização do
IDH para se medir o desenvolvimento humano em municípios mineradores é de que o
IDH não consegue medir a desigualdade e a concentração de renda, justamente por
utilizar, na dimensão renda, a renda per capita. E o principal
responsável pelo alto IDH dos municípios mineradores é a renda per
capita. Inclusive, tendo em vista os limites do índice, a própria PNUD
criou um IDH-D ajustado à desigualdade. Obviamente, um índice que não é
utilizado por mineradoras e afins na mensuração do desenvolvimento humano.
A mineração é conhecidamente uma
atividade sócio-econômica concentradora de renda e que gera poucos linkages com
a economia local, e se desenvolve muitas vezes em detrimento da produção local,
o que compõe a economia de enclave. Dessa forma, ao compararmos o IDH de um
município pré-instalação mineradora e o mesmo município pós-instalação
mineradora, veremos que o IDH-M aumentou. Isso acontece porque o indicador
renda per capita que compõe o IDH-M terá aumentado bruscamente, o que não quer
dizer que a renda local terá sido distribuída beneficiando a população local.
Lembrando que a mineração é intensiva em capital, mas não o é em mão-de-obra.
Contabilizada a renda utilizada para a construção da infra-estrutura da mina –
represa de rejeitos, pilha de estéril, etc- e a produção mineral, que se esvai
com o lucro das mineradoras e de seus acionistas, o PIB municipal terá se
elevado assustadoramente, aumentando a proporção do PIB/população e passando a
falsa impressão de que toda a população será beneficiada com uma renda que não
é investida diretamente no município. Este é um índice que supervaloriza o lado
quantitativo do desenvolvimento, perdendo a dimensão qualitativa. Mesmo sabendo
disso, mineradoras como a Vale e órgãos patronais como o IBRAM propagandeiam a
ideia de que os municípios mineradores são aqueles que têm os maiores IDH, sem
considerar as imprecisões do IDH utilizado em municípios mineradores.
Aqui no texto, restrinjo o debate a localidades envolvidas com a
mineração. Porém, os problemas apresentados pelo IDH são os mesmos quando
analisa-se os impactos de outras atividades econômicas, como, por exemplo, a
petrolífera e a siderúrgica (o caso da TKCSA em Santa Cruz é mais um entre
tantos). Precisamos ter em mente os limites do IDH e a sua utilização
ideológica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário