segunda-feira, 15 de julho de 2013

"TOMBAR" Para não deixar cair...

 O TOMBAMENTO COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO...



 
   Introdução
A preocupação dos cidadãos com o tema preservação é recente e ainda bastante tímida, se comparada a outras nações; no entanto, paulatinamente vai ganhando força uma consciência “ecológica e cultural” que, se espera, seja transmitida às gerações futuras. Não obstante, em sede jurídica, a tutela dos bens materiais que integram o patrimônio cultural e paisagístico já existe e está consolidada de longa data, inclusive em sede constitucional, embora a Constituição de 1988 tenha sido aquela que mais amplamente tratou do assunto.
 Dentre as várias formas de ação do Estado em prol da ma­nutenção do patrimônio cultural, destaca-se aquela mais comum e mais antiga: o tombamento, instituto considerado num grau inicial em matéria de intervenção pública na propriedade privada, pois não expropria, mas também não permite ao titular do domínio o exercício pleno das faculdades ou senhorias da propriedade.
Noção e finalidade do tombamento
O tombamento é um instrumento jurídico de proteção ao patrimônio natural e cultural. Quando uma pessoa é proprietária de um bem de valor para a cultura do país, o Estado pode intervir e sujeitá-la a um regime especial de tutela, usando de seu domínio eminente no cumprimento do dever de proteção à cultura. Esta limitação ao direito de propriedade é consentânea com vários dis­positivos constitucionais que, em conjunto, atribuem uma função social à propriedade (arts.5º, XXIII, 170, III, e 182, § 2º).
Procura-se através da medida evitar que o proprietário faça alterações, ou mesmo destrua a coisa, eliminando vestígios de fatos, épocas, do interesse da sociedade, ou ainda as áreas de interesse paisagístico. É importante destacar que as restrições administrati­vas ao direito de propriedade não se direcionam apenas ao imóvel tombado, mas podem atingir sua vizinhança, a fim de permitir que o entorno não fique descaracterizado.
O vocábulo deriva do verbo tombar, que significa inscrever, individualizando, um bem móvel ou imóvel em um livro próprio na repartição federal, estadual ou municipal (Livro do Tombo)1.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto vê no instituto do tom­bamento uma ação direta do Estado na propriedade privada, com caráter interventor e ordenador, “limitativa de exercício de direitos de utilização e de disposição gratuita, permanente e indelegável,
1 CRETELLA JUNIOR, José. Tombamento. In Enciclopédia Saraiva do Direito
 Preservação e tombamento
Preservação é um conceito genérico. Segundo Sonia Rabello de Castro, “é toda e qualquer ação do Estado que vise conservar a memória de fatos ou valores culturais de uma nação”5. O tom­bamento é uma forma legal de preservação, mas existem outras que, inclusive, não atingem o direito de propriedade, como fomentos concedidos pela administração à conservação de bens ou à mani­festações culturais 6. A Constituição de 1988 (art. 216, § 1º) prevê várias maneiras de proteção ao patrimônio cultural (desapropriação, inventários, registros, vigilância); em algumas delas há uma inter­venção até mesmo definitiva na propriedade privada, mas outras podem ser efetivadas sem que o proprietário seja prejudicado.
A Lei nº 3.924/61 pôs sob guarda e proteção do poder público os monumentos arqueológicos ou pré-históricos, de qualquer na­tureza, existentes no território nacional e todos os elementos que neles se encontram. A propriedade superficiária é regida pelo direito civil, mas não inclui a das jazidas arqueológicas ou pré-históricas, nem a dos objetos nelas incorporados. 
Para os fins de proteção, consideram-se monumentos arque­ológicos ou pré-históricos:
a) as jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que representem testemunhos de cultura dos paleoameríndios do Brasil, tais como sambaquis, montes artificiais ou tesos, poços sepulcrais, jazigos, aterrados, estearias e quaisquer outras não especificadas aqui, mas de significado idêntico a juízo da autoridade competente;
b) os sítios nos quais se encontram vestígios positivos de ocupa­ção pelos paleoameríndios tais como grutas, lapas e abrigos sob rocha;
c) os sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais
7 Sambaqui é um depósito natural de refugos (ossos, conchas e resíduos diversos), acumulado pelo homem pré-histórico. No Brasil, concentram-se especialmente na faixa litorânea dos Estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. O interesse na preservação dos sambaquis é arqueológico, já que no meio do material enterrado é possível encontrar restos de utensílios domésticos e instrumentos feitos de pedra, chifre e osso, capazes de fornecer informações sobre as condições de vida do homem pré-histórico, impondo-se a proteção do Estado para fomentar os estudos dos povos pré-históricos que habitavam o território brasileiro. REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLÍTICOS 72
 
de pouso prolongado ou de aldeiamento, “estações” e “cerâ­mios”, nos quais se encontram vestígios humanos de interesse arqueológico ou paleoetnográfico;
d) as inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de utensílios e outros vestígios de atividade de paleoamerín­dios.
O proprietário de um imóvel onde estejam localizados sam­baquis, casqueiros, concheiros, birbigueiras ou sernambis, bem como de um sítio onde se encontre vestígios positivos de ocupação pelos paleoameríndios, cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeamento, “estações” e “cerâmios”, inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de utensílios, não pode aproveitar tais bens economicamente (são coisas fora do comércio), nem destrui-los ou mutilá-los. Qualquer utilização do terreno só será permitida após a conclusão das pesquisas arque­ológicas. O descumprimento dessas obrigações é considerado crime contra o patrimônio nacional (art. 5º).

 Extensão do Tombamento e Competência
A Constituição de 1988 divide a competência (e também a fiscalização) entre a União, os Estados, Distrito Federal e os Mu­nicípios (arts. 24, VII e 30, IX), estes últimos com pertinência ao patrimônio histórico-cultural local.9
Não só os bens de excepcional valor arqueológico ou et­nográfico, bibliográfico ou artístico podem ser tombados. São equiparados a estes bens, sujeitando-se ao regime especial de pro­teção, os monumentos naturais, sítios e paisagens que, a critério da autoridade administrativa, importe conservar e proteger, sempre tendo como fundamento sua feição notável dada pela natureza ou pela ação do homem. Assim, é possível o tombamento de paisagens autóctones ou não autóctones, como uma mata virgem ou um jardim botânico.

O objeto material do tombamento
 
O tombamento, como já salientado, é o ato final de um procedimento administrativo, resultante do poder discricionário da administração pública que intervém na propriedade privada para impor um regime especial de cuidados sobre determinado ou determinados bens, em razão de suas características peculiares, buscando o Estado com esta gestão cumprir sua função institucio­nal de agente protetor do patrimônio cultural e natural brasileiro, atendendo ao interesse coletivo de preservação.
Insta distinguir, como põe em relevo José Cretella Junior16, a decisão sobre o tombamento da inscrição do bem num Livro do Tombo. O tombamento, como processo administrativo, é um iter que tem início com a individuação do bem, passando pela manifestação do proprietário, decisão da autoridade competente, e, finalmente, a inscrição no livro público. Sob este aspecto (final),
16 Op.cit., p.3. No mesmo sentido Diógenes Gasparini. Direito administrativo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1995.REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLÍTICOS 82

o tombamento é um fato administrativo (ato material praticado por funcionário público responsável, no exercício da administra­ção), mas a decisão de tombar é um ato administrativo. Trata-se, ademais, de uma intervenção na propriedade privada realizada pelo Estado, uma limitação parcial, onde a desapropriação ocupa o grau extremo.
Apesar de o tombamento ser um instrumento em prol da preservação do patrimônio cultural e natural, é preciso advertir que ele não se aplica a qualquer bem. A Constituição de 1988 ao incluir no âmbito da tutela estatal os bens imateriais (art. 216, I, II e III) não os sujeitou necessariamente ao tombamento. A proteção a esse patrimônio incorpóreo é feita através de outros instrumentos (desapropriação, inventários, campanhas de divulgação, disciplinas específicas nos currículos escolares, etc), de modo a manter vivo na consciência dos cidadãos a prática dessas manifestações. So­nia Rabello de Castro 17, com proficiência, afasta a incidência do tombamento aos bens imateriais, sustentando que a lei deva criar mecanismos específicos de proteção para eles.
 
O Supremo Tribunal Federal adota o entendimento supra, como é possível inferir a partir da seguinte ementa de decisão pro­ferida em Recurso Extraordinário:
Tombamento. Par.1º. do artigo 216 da Constituição Fed­eral.
A única questão constitucional invocada no recurso extraordinário que foi prequestionada foi a relativa ao par. 1º do artigo 216 da Carta Magna. Às demais falta o requisito do prequestionamento (Súmulas 282 e 356).
No tocante ao par.1º do art. 216 da Constituição Federal, não ofende esse dispositivo constitucional a afir­mação constante do acórdão recorrido no sentido de que há um conceito amplo e um conceito restrito de patrimônio
17 Op.cit., p.69.O TOMBAMENTO COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO... 83

histórico e artístico, cabendo à legislação infraconstitucional adotar um desses dois conceitos para determinar que sua proteção se fará por tombamento ou por desapropriação, sendo que, tendo a legislação vigente sobre tombamento adotado a conceituação mais restrita, ficou, pois, a proteção dos bens, que integram o conceito mais amplo, no âmbito da desapropriação. Recurso extraordinário não conhecido. Unânime. 18
Outra crítica feita pela autora é em relação à expressão “patrimônio nacional” utilizada pelo Decreto-Lei nº 25/37 (art. 1º). A terminologia não pode abarcar os interesses dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O correto seria denominá-lo “patrimônio federal”, haja vista serem bens de interesse da União, pois a competência é concorrente, inclusive o órgão responsável para determinar o tombamento (IPHAN) é federal.
Os bens de valor cultural ou natural têm um valor desta­cado que representa, por si só, um bem imaterial de conteúdo não econômico, insuscetível de apropriação individual, já que pertence a todos os brasileiros. O valor contido nas coisas de interesse histórico, cultural ou natural é, em seu todo, um bem público de uso comum (res communes omnium), encarado como uma univer­salidade de direito, cuja conservação interessa a toda sociedade. A comunidade nacional tem, outrossim, um direito subjetivo público de vê-lo protegido.
O reconhecimento do valor excepcional de uma coisa (móvel ou imóvel, material ou imaterial) e sua ligação com a história, as artes e a paisagem brasileiras, devidamente comprovadas, não se resume unicamente em o Estado avocar para si sua tutela. Qualquer cidadão tem o direito subjetivo (de caráter difuso) de ver a coisa protegida, embora não seja o titular imediato desta
18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira turma. RE nº 182782 / RJ, Relator: Ministro Moreira Alves, julgamento em 14/11/1995 In Diário da Justiça de 09/02/95, p.2092.REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLÍTICOS 84

universalidade, mas pode exigir a sua conservação e restauração pelos meios processuais próprios, v.g., a ação popular (art. 1º, §1º, da Lei nº 4.717/65).
Natureza jurídica do tombamento
Paulo Affonso Leme Machado observa que uma das finali­dades do tombamento é a conservação da coisa, possibilitando a manutenção da propriedade com o particular, evitando-se a esta­tização de todo o patrimônio cultural. Conquanto o proprietário conserve seu domínio, o bem fica submetido a “um regime jurídico de tutela pública”28.
É oportuno recordar que o direito de propriedade não é ab­soluto, ao contrário do que outrora se pensava a partir do Código Civil francês, podendo sofrer limitações voluntárias (como os jura in re aliena) ou legais. Nesse sentido, o art.1228 do Código Civil, verbis:O TOMBAMENTO COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO... 87

O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua, ou detenha.
§1º O direito de propriedade deve ser exercido em con­sonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. [sublinhou-se]
O tombamento é uma intervenção administrativa na pro­priedade privada, que impõe ao proprietário deveres positivos e negativos, podendo demitir-se do cumprimento desses deveres se alienar o bem. Alienando-o, as obrigações são também impostas ao adquirente, inclusive aos sucessores.
No tombamento não há desmembramento de nenhuma das faculdades dominiais, donde ser possível afirmar que o instituto preserva o atributo da exclusividade da propriedade. Não obstante, a sujeição da coisa a um regime especial de tutela, de ordem pública, acarreta condicionamentos ao exercício dos jura utendi, fruendi e abutendi, este considerado a mais relevante expressão da propriedade.
O Decreto-Lei nº 25/37 ao tratar dos efeitos do tombamento enumera várias restrições, inclusive quanto à alienabilidade, não só aos proprietários, como àqueles que possuem imóveis vizinhos aos bens tombados. Assim, o bem tombado não poderá sair do país, salvo por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. As coisas tombadas não poderão, em caso algum, ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinqüenta por cento do dano REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLÍTICOS 88

causado. E ainda sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto.
Caio Mário da Silva Pereira19, analisando a faculdade de disposição do proprietário sobre a coisa (jus abutendi), ensina:
Não pode também o abutere traduzir-se por destruir, porque nem sempre é lícito ao dominus fazê-lo, mas somente em dadas circunstâncias. Ao revés, a ordem pública opõe-se a que o titular do direito intente destruir a coisa, prejudicando terceiros, ou atentando contra a riqueza geral.
Sem dúvida, é um instituto de direito administrativo, mas como qualificá-lo dentro do próprio Direito Administrativo? Várias explicações têm sido formuladas para o tombamento:
a) limitação administrativa ao direito de propriedade com o objetivo de compatibilizar os direitos subjetivos do proprietário com os direitos subjetivos públicos (corrente dominante) 20;
b) servidão administrativa, uma vez que o tombamento decorre de ato específico da administração pública, impondo um gravame ao proprietário; por conseguinte, cria uma situação nova que atinge o próprio direito de propriedade 21;
c) intervenção na propriedade privada a bem do interesse públi­co: a propriedade particular pode adquirir institucionalmente
19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. IV. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p.74.
20 Partilham dessa posição, entre outros, Sonia Rabello de Castro, Maria Sylvia Zanella di Pietro, José Cretella Junior, Diógenes Gasparini e Hely Lopes Meirelles.
21 É a opinião, entre outros, de Celso Antonio Bandeira de Mello, Lúcia Valle Figueiredo e Ruy Cirne de Lima.O TOMBAMENTO COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO... 89

um interesse coletivo, sujeitando-se a um regime próprio com relação ao exercício das faculdades jurídicas referentes ao domínio. Em vista do interesse público que cerca o bem, a administração passa a ter uma potestas in rem para assegurar sua conservação e proteção 22.

 Foto do encontro dos Rios: FOLHETA/PEIXE 2004


Foto no mesmo local atual: ASSOREAMENTOS

 Documento na íntegra click no link abaixo:
 http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=4&ved=0CDoQFjAD&url=http%3A%2F%2Fwww.pos.direito.ufmg.br%2Frbep%2Findex.php%2Frbep%2Farticle%2Fdownload%2F69%2F67&ei=K-7jUYahFtHbqQGzk4HYDA&usg=AFQjCNGop3l_-EPxc1lgiL4XqYxfkLoFjg&bvm=bv.48705608,d.dmg

Nenhum comentário:

Postar um comentário