Quais as relações entre
mega-furacão Sandy e aquecimento global? Até quando governos permanecerão
apáticos diante dos riscos de catástrofe climática?
Os desastres provocados pelo
aquecimento global podem assumir novas dimensões — concretas e simbólicas — nas
próximas horas. Depois de se formar nas águas quentes do Caribe por volta do
dia 20 e de ter provocado ao menos 67 mortes (51 das quais no Haiti), o furacão Sandy desviou-se
para noroeste, ontem à noite, adquiriu velocidade e força e deve atingir, esta
noite (29/10) a região mais povoada e rica dos Estados Unidos — a costa Nordeste.
Os riscos de que castigue Nova York são, a esta altura (29/10, 15h), calculados
em 93%.
Todas as observações feitas até
o momento sugerem tratar-se de uma tormenta compoder de destruição extremo — a ponto de “ocupar um lugar
na história do clima”, segundo escreveu,
impressionado, o meteorologista Stu Ostro, do Weather Channel. Por isso, até
mesmo poder, dinheiro e técnica, símbolos do domínio humano sobre a natureza,
curvaram-se. Barack Obama e Mitt Rommey suspenderam suas campanhas, a uma
semana das eleições para a Presidência. Em Nova York, as bolsas de valores
sequer abriram hoje. Metrô, trens e ônibus deixaram de operar desde ontem à
noite. Mais de 8 mil voos foram cancelados. Cerca de 370 mil pessoas foram
removidas de suas casas e abrigadas em colégios. Numa cidade muito próxima do
nível do mar, teme-se, além dos ventos, os efeitos das ondas e inundações.
Uma coincidência infeliz pode fazer com que o Sandy choque-se,
ao derivar para o continente, com dois outros fenômenos atmosféricos graves, no
nordeste dos EUA. De oeste para leste, desloca-se uma zona de baixas pressões,
em altitude média. Do ártico, chega uma massa de ar frio polar. Alguns
estudiosos temem que o choque acabe ampliando o poder destrutivo da tormenta
principal.
Mas a força principal por trás
de tempestades desta magnitude é o aquecimento global. Em fevereiro deste ano, Outras Palavras publicou “A era dos extremos climáticos começou“, um artigo de dois
estudiosos ligados ao Earth Policy Institute.
Baseados em vasta pesquisa de dados estatísticos, eles apontavam a clara
correlação entre a elevação da temperatura atmosférica da Terra — 2011 integra
uma sequência de anos muito quentes, conforme o gráfico acima — e fenômenos
como grandes tempestades, cheias, secas ou ondas de calor. A análise é
abrangente (os dados compilados vão das chuvas devastadoras na região serrana
do Rio de Janeiro, naquele ano, à estiagem prolongada no Chifre da África, que
pode ter causado 50 mil mortes por inanição). Um dos pontos destacados, porém,
é o aumento da incidência e da força das tempestades tropicais.
Estudos mais específicos ajudam
a compreender em detalhes a relação entre fenômenos como o Sandy e o
aquecimento global. Em junho deste ano, três cientistas publicaram, no jornal
da Academia Nacional de Ciências dos EUA, uma análise de todas as grandes tempestades tropicais
registradas no país desde 1923. Sua conclusão é clara: fenômenos climáticos com
a intensidade do furacão Katrina (que devastou Nova Orleans, em 2005) são são
duas vezes mais frequentes em anos de temperaturas elevadas. Ainda mais
eloquentes são os trabalhos científicos [1 2 3] que estão relacionando o aumento da extensão e do poder
destrutivo das grandes tempestades com o derretimento do Oceano Ártico e as
mudanças de temperatura no Atlântico Norte.
Uma estonteante cegueira tem
impedido, até agora, que a sociedade norte-americana compreenda os riscos a que
está submetida pela mudança climática. Noam Chomsky aponta, em outro texto
recente (“Alienação à moda dos EUA“) como o tema é ocultado da opinião
pública mesmo durante a campanha eleitoral. Sobre aquecimento global, diz ele,
as diferenças entre os dois partidos “dizem respeito a quão
entusiasticamente os ratos devem marchar até o abismo”…
Ontem, quando ficou claro que a
tempestade Sandy rumaria para o nordeste dos Estados Unidos, um grupo de
ativistas tentou quebrar este silêncio. Articulados pela rede 350.org, eles abriram, em plena Times Square, de Nova York,
uma grande faixa exigindo: “chega de silêncio sobre o clima”.
Chomsky encerra seu artigo sobre campanhas eleitorais e
alienação lembrando que, em épocas de declínio da democracia, a política
institucional conduz de fato para o supérfluo e banal — mas as sociedades não
estão obrigadas a aceitar este declínio. “A passividade costuma ser o caminho
mais fácil, porém, quase nunca, o honroso”, lembra ele. Oxalá os desastres
causados pelo Sandy sejam moderados — e ele sirva de alerta para evitar a
grande catástrofe climática que continuará se armando, se as sociedades não forem
capazes de pressionar os Estados.
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