“O consumo diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará
aumentando”,
Avalia o economista francês Serge Latouche, . Segundo ele, a
crise financeira e o caos ambiental instalados no planeta farão o capitalismo
reencontrar “
a lógica de suas origens, ou seja, crescer à custa da
sociedade”. Ao ser questionado sobre a possibilidade de conciliar
crescimento econômico e sustentabilidade, ele é enfático: “
Impossível. É
preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião.”
Segundo ele, o PIB não pode mais crescer, e a “única possibilidade para
escapar ao pauperismo” é “retornar aos elementos fundamentais do socialismo”.
Serge Latouche, além de economista, é sociólogo, antropólogo, professor de
Ciências Econômicas na Universidade de Paris-Sul e presidente da Associação
Linha do Horizonte. É doutor em Filosofia, pela Université de Lille III, e em
Ciências Econômicas, pela Université de Paris, diplomado em Estudos Superiores
em Ciências Políticas, pela Université de Paris, , 2003)
– Se proclamarmos que o crash financeiro desencadeado pelo abuso dos
subprimes é uma boa coisa, então, embora ele seja o iniciador de uma crise
bancária e econômica que corre o risco de ser longa, profunda e talvez mortal
para o sistema, podemos ser taxados de provocação. No entanto, para os
opositores do crescimento, esta crise constitui o sinal anunciador do fim de um
pesadelo.
Não se trata, por certo, de negar que esta crise irá atingir com o desemprego
milhões de pessoas e gerar sofrimentos para os deserdados do Norte e do Sul.
Porém, e acima de tudo, o decrescimento escolhido não é o decrescimento
sofrido. O projeto de uma sociedade de decrescimento é radicalmente diferente
do crescimento negativo, aquele que agora já conhecemos. O primeiro é comparável
a uma cura de austeridade empreendida voluntariamente para melhorar o próprio
bem-estar, quando o hiperconsumo vem nos ameaçar pela obesidade. O segundo é a
dieta forçada, podendo levar à morte pela fome. Nós o dissemos e repetimos
bastantes vezes. Não há nada pior do que uma sociedade de crescimento sem
crescimento. Sabe-se que a simples desaceleração do crescimento mergulha nossas
sociedades no descontrole, em razão do desemprego, do aumento do abismo que
separa ricos e pobres, dos atentados ao poder de compra dos mais desprovidos e
do abandono dos programas sociais, sanitários, educacionais, culturais e
ambientais que asseguram um mínimo de qualidade de vida. Pode-se imaginar que
enorme catástrofe pode originar uma taxa de crescimento negativo. Esta
regressão social e civilizatória é precisamente o que nos espreita, se não
mudarmos de trajetória.
– Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou
religião.
Hoje em dia, a festa acabou: já não há mais margens de manobra. A torta, isto
é, o produto interno bruto, não pode mais crescer. Mais ainda (e nós o sabemos
muito bem há longo tempo, embora nos recusemos a admiti-lo), a economia não
deve crescer. A única possibilidade para escapar ao pauperismo, tanto no Norte
como no Sul, é a de retornar aos elementos fundamentais do socialismo, mas sem
esquecer, desta vez, a natureza: repartir o bolo de maneira equitativa. Ele era
trinta a cinquenta vezes menor em 1848 e, no entanto Marx, mas também John
Stuart Mill, já pensavam que o problema não era o volume da torta, mas sua
injusta repartição! Como, crescendo, a torta se tornou cada vez mais tóxica –
as taxas de crescimento da frustração, seguindo a fórmula de Ivan Illich,
excedendo amplamente as da produção –, era inevitavelmente necessário modificar
a receita. Inventamos, então, uma bela torta com produtos biológicos, de uma
dimensão razoável para que nossos filhos e nossos netos pudessem continuar a
produzi-la, e a compartilhamos equitativamente. As partes não serão talvez
muito grandes para nos tornar obesos, mas a alegria estará no encontro marcado.
Com outras palavras, ela nos oferece a oportunidade de construir uma sociedade
eco-socialista e mais democrática. Tal é o programa do decrescimento, única
receita para sair positiva e duradouramente da crise de civilização em que
vivemos.
– Uma lógica de crescimento e um projeto de decrescimento são incompatíveis,
mas o projeto de decrescimento visa fazer crescer a alegria de viver,
restaurando a qualidade de vida (um ar mais sadio, água potável, menos
estresse, mais lazer, relações sociais mais ricas etc.).
– As duas opções são possíveis. Infelizmente, nem a crise econômica e
financeira, nem o fim do petróleo são necessariamente o fim do capitalismo, nem
mesmo da sociedade de crescimento. O decrescimento só é viável numa “sociedade
de decrescimento”, isto é, no quadro de um sistema que se situa sobre outra
lógica. A alternativa é, por conseguinte, esta: decrescimento ou barbárie! Uma
economia capitalista ainda poderia funcionar com uma grande escassez dos
recursos naturais, um desregramento climático, o desmoronamento da
biodiversidade etc. É a parte de verdade dos defensores do desenvolvimento
durável, do crescimento verde e do capitalismo do imaterial. As empresas (pelo
menos algumas) podem continuar a crescer, a ver sua cifra de negócios aumentar,
bem como seus lucros, enquanto as fomes, as pandemias, as guerras exterminariam
nove décimos da humanidade. Os recursos, sempre mais raros, aumentariam mais
que proporcionalmente de valor. A rarefação do petróleo não prejudica, bem ao
contrário, a saúde das firmas petroleiras. Se isso não vale da mesma forma para
a pesca, existem substitutivos para o peixe, cujo preço não pode crescer na
proporção de sua raridade. O consumo diminuirá em substância, enquanto seu
valor continuará aumentando. O capitalismo reencontrará a lógica de suas
origens, ou seja, crescer às custas da sociedade.
– E como! Mais de 40%, segundo os últimos dados disponíveis. Nosso
sobre-crescimento econômico se furta aos limites da finitude da biosfera. A
capacidade regeneradora da Terra já não consegue mais seguir a demanda: o homem
transforma os recursos em rejeitos mais rapidamente do que a natureza consegue
transformar esses rejeitos em novos recursos (1).
Se tomarmos como índice do “peso” ambiental de nosso modo de vida sua
“pegada” ecológica em superfície terrestre ou espaço bioprodutivo necessário,
obtém-se resultados insustentáveis, tanto do ponto de vista da equidade nos
direitos de extração da natureza quanto do ponto de vista da capacidade de
carga da biosfera. O espaço disponível sobre o planeta Terra é limitado. Ele
representa 51 bilhões de hectares.
Todavia, o espaço “bioprodutivo”, ou seja, útil para a nossa reprodução, é
apenas uma fração do total, ou seja, em torno de 12 bilhões de hectares (2).
Dividido pela população mundial atual, isso dá aproximadamente 1,8 hectares por
pessoa. Tomando em conta as necessidades de materiais e de energia, aqueles que
são necessários para absorver dejetos e rejeitos da produção e do consumo (cada
vez que queimamos um litro de essência, nós necessitamos de cinco metros
quadrados de floresta durante um ano para absorver o CO2!) e acrescentando a
isso o impacto do habitat e das infraestruturas
Os homens já deixaram, portanto, a vereda de um modo de civilização durável
que necessitaria limitar-se a 1,8 hectares, admitindo que a população atual
permaneça estável. Desde já vivemos, portanto, a crédito. Além disso, este
empreendimento médio oculta muito grandes disparidades. Um cidadão dos Estados
Unidos consome 9,6 hectares, um canadense 7,2, um europeu 4,5, um francês 5,26,
um italiano 3,8.
Mesmo havendo grandes diferenças no espaço bioprodutivo disponível em cada
país, estamos bem longe da igualdade planetária. (2) Cada americano consome em
média em torno de 90 toneladas de materiais naturais diversos, um alemão 80, um
italiano 50 (ou seja, 137 kg por dia). Em outros termos, a humanidade já
consome perto de 40% mais que a capacidade de regeneração da biosfera. Se todo
o mundo vivesse como nós franceses, seriam necessários três planetas, e
precisaríamos de seis para seguir nossos amigos americanos. Mesmo o Brasil já
ultrapassa (em torno de 15%) a cifra sustentável.